A rotina das crianças no Japão é intensa e envolve muito mais do que abrir os livros e estudar. Na escola, os pequenos realizam atividades em tempo integral e dividem tarefas como limpar a sala de aula e distribuir as refeições aos colegas. Divididos em grupos, as crianças são orientadas a cumprir as tarefas rotineiras e a limpar o que sujam.
Embora este modelo educacional pareça estranho e até explorador no Brasil, a verdade é que causa efeitos positivos na educação das crianças. Desde a primeira infância, os pequenos aprendem a importância de manter a limpeza no ambiente em que vivem, de pensar no coletivo e servir ao próximo.
O Japão é um país muito limpo e organizado e as coisas costumam funcionar bem devido a uma regra social que está enraizada na cultura japonesa: não perturbar os outros. Muitos locais chegam a colocar placa dizendo que “comportamento incômodo” é crime. Como resultado, as pessoas são educadas, respeitam filas e o espaço do próximo.
Regras detalhadas são seguidas em todos os ambientes públicos. Nos trens comuns, não é permitido comer e nem atender ao telefone. As pessoas falam baixo para não perturbar os outros e dificilmente largam lixo no transporte público. No trem bala, por exemplo, é comum ver os passageiros saírem do trem e se dirigirem as lixeiras na plataforma.
Reflexos na vida adulta
Uma criança que aprende na escola a importância de limpar o que suja, respeitar aos outros e ter consciência coletiva só pode se tornar um adulto comprometido em respeitar os ambientes públicos.
As ruas do Japão geralmente são limpas e, quando há sujeira, é comum ver moradores da região fazendo um trabalho de limpeza de forma voluntaria. Em bairros mais noturnos o acúmulo de lixo é maior, mas o esforço da limpeza também. Se você flagrar lixo no chão à noite, provavelmente irá se surpreender com a limpeza da mesma rua pela manhã.
Na Copa do Mundo no Brasil em 2014, os japoneses surpreenderam e chamaram a atenção pela limpeza das arquibancadas, uma atitude que mostra um pouco desta cultura e os reflexos de uma educação engajada no convívio social.
Nem tudo são flores
A educação no Japão tem pontos positivos e negativos. Se você já ouviu falar que as escolas são rígidas e disciplinadas, acredite na pessoa que lhe contou. De fato, as regras são tantas que os estudantes têm poucas oportunidades de mostrar quem eles realmente são.
Para ter uma ideia, muitas escolas proíbem que os alunos tenham o cabelo de qualquer cor que não seja preto. Há casos em que a escola procura os pais da criança e pede para que a família pinte o cabelo do filho de preto, pois é possível ver mechas castanhas naturais.
A educação funciona de maneira tradicional, onde os alunos escutam e anotam. Há poucas oportunidades de opinar, refletir e mostrar criatividade. Este ponto causa um resultado negativo na vida adulta, pois os japoneses agem de forma robótica no local de trabalho, precisam de orientações para agir e dificilmente possuem liberdade de opinar ou dar ideias.
Outro grande problema das crianças é o suicídio, muitas vezes provocado pelo bullying (ijime, em japonês) e pela rigorosidade da rotina. Há muita pressão sobre as crianças para que entrem nas melhores escolas, já que o sistema coloca estudantes com bom desempenho em escolas renomadas e alunos com notas ruins nos colégios com má fama.
Não é raro ler nos jornais casos de suicídio de crianças e adolescentes em estações de trem. Muitas escolas fecham os olhos para os problemas de bullying e os casos só são discutidos e investigados depois que a tragédia já aconteceu. Além disso, muitas crianças sofrem sozinhas, não contam o que passam aos pais e responsáveis.
Crianças brasileiras no Japão
Com uma média de 170 mil brasileiros morando no Japão, as crianças do país tupiniquim se dividem entre as escolas brasileiras e japonesas. As escolas brasileiras no Japão seguem as mesmas regras do Brasil e não são aceitas pelo sistema de ensino do Japão. Brasileiros que pretendem viver fixamente no país acabam colocando os filhos nas escolas japonesas.
Há tradutores em muitas escolas, principalmente nas regiões onde há mais brasileiros residindo. As crianças frequentam salas especiais para reforçar o estudo de japonês. Porém, muitas crianças apresentam dificuldades de adaptação com o idioma e a cultura, o que faz com que os educadores coloquem estes alunos para frequentar salas de aula destinadas aos portadores de deficiência.
Este assunto foi discutido recentemente através de um dado do governo japonês que afirmava que 6% das crianças brasileiras nas escolas japonesas são autistas. Autoridades do governo brasileiro questionaram o dado, dizendo que crianças com dificuldade de adaptação não podem ser consideradas como autistas.
Também não são raros os casos de bullying sofridos por brasileirinhos. A educação no Japão não dá muito espaço para que as crianças reflitam sobre as diferenças, o que faz com que pessoas consideradas “diferentes”, por serem muito altas, baixas, gordas, magras ou qualquer outra característica, se tornem alvos fáceis de maus tratos.
No caso dos estrangeiros, o problema ocorre justamente por serem de outras nacionalidades. A dificuldade de adaptação aos costumes e a pouca habilidade no idioma faz com que muitas crianças sofram preconceito e, muitas vezes, acabem abandonando a escola.
O bullying não é evidente apenas dentro das instituições de ensino. É comum casos de assédio moral e abusos também nas empresas, sendo que os novatos podem sofrer nas mãos dos veteranos. Outro problema comum envolve as grávidas que, apesar de possuírem direitos garantidos, sofrem maus-tratos no trabalho e muitas vezes são induzidas a deixar o emprego por causa da gestação.
Embora o Japão tenha diversos costumes que servem de exemplo ao Brasil e outros países, o arquipélago oriental também carrega problemas sociais graves, que envolvem falhas na educação e consequências negativas na vida adulta. A pressão social é forte e é preciso ter muita disciplina para se encaixar nas regras sociais e levar uma vida de acordo com os padrões japoneses.
Fonte: O texto foi escrito por Ana Paula Bretschneider, brasileira que hoje reside no Japão